Promiscuidade entre políticos e jornalistas

O assunto do momento é o lançamento do livro do jornalista José António Saraiva, “Eu e os Políticos”, marcado para 26 de Setembro, mas a cerimónia foi cancelada ontem por razões de segurança. Também a apresentação do livro por Pedro Passos Coelho foi desmarcada por motivos pessoais.

A obra literária não teria nada de demais, caso não revelasse pormenores da vida pessoal de figuras públicas portuguesas, incluindo políticos e respectivos familiares, alguns dos quais já falecidos como a mulher de Durão Barroso. O livro passa a pente fino as memórias de José António Saraiva quanto a contactos que manteve com 42 figuras públicas portuguesas, incluindo revelações sobre orientação sexual, infertilidade, ódios de estimação, intrigas, insultos e jogos de bastidores.

Este que promete ser um “best seller” da coscuvilhice, tem todos os ingredientes para vender mas foca um aspecto terrível que é a promiscuidade entre os políticos e os jornalistas. Neste caso, tenho sérias dúvidas em classificar José António Saraiva de jornalista, apesar de ter sido durante vinte anos director do jornal “Expresso” e mais dez do “Sol”. Isto porque, aproveitou-se de conversas íntimas e pessoais para denegrir a imagem de muita boa gente. Curiosamente, no livro, apenas de quem diz bem é precisamente de Pedro Passos Coelho. Porque será?

“Um livro deste tipo só tem sentido se o autor se dispuser a contar tudo o que ouviu dos seus interlocutores, e relatar tudo a que assistiu, e que julgue ter interesse público. Assim, como o leitor reparou, há no texto revelações duras e outras que roçam a violação da privacidade. Mas, insisto, é o preço a pagar por uma iniciativa como esta”, afirma José António Saraiva nas linhas finais do seu livro “Eu e os Políticos”. “Só guardei para mim aqueles segredos cujo interesse público, em meu entender, não mereceria os danos que a sua divulgação poderia causar”, acrescenta o autor no epílogo do livro de 264 páginas.

“Poucas pessoas terão tido, como eu tive — pelos lugares que ocupei — acesso privilegiado aos principais actores políticos ao longo de 35 anos, materializado em inúmeras conversas privadas. Aqui os políticos aparecem como são (ou como eu os vi) na intimidade, fora da pose conveniente que a presença pública implica. No momento em que me retiro de cargos executivos no jornalismo, senti a necessidade de partilhar com os interessados essas vivências. Seria porventura egoísmo guardá‑las só para mim e para o meu círculo próximo”, escreve José António Saraiva.

Prevendo críticas, José António Saraiva assegura que não quis fazer retaliações e que procurou imparcialidade na avaliação. “Não prejudiquei uns e beneficiei outros de acordo com as minhas simpatias ou antipatias: procurei tratar todos com igual isenção”, escreveu o autor, acrescentando que “a minha única ambição ao escrevê‑lo foi deixar um testemunho que possa ser útil a quem, no futuro, tente reconstituir a história deste período”.

O livro tem incendiado as redes sociais pelos piores motivos, havendo pessoas a referir que José António Saraiva não deveria deixar a carreira de jornalismo desta maneira.

“Nunca antes, à excepção de um episódio com imagens vídeo de sexo dadas à estampa há 30 anos, se foi tão longe na deliberação da devassa gratuita da intimidade, sem outro objectivo que não o de devassar, ferir e lucrar com isso”, criticou também Fernanda Câncio (referida no livro).

Daniel Oliveira, no Facebook, classifica o comportamento de Saraiva de “abjecto”, referindo-se a uma alegada conversa entre Miguel Portas e José António Saraiva e que este agora revela. “Um dos assuntos que refere tem a ver com Paulo Portas e supostas dificuldades que este viria a ter, por causa da sua vida pessoal em afirmar-se no CDS”.

Bruno Nogueira também desabafa no Facebook “o nojo vende sempre, não há aqui nenhuma novidade. Reparem na classe: estamos a falar de um livro que contém revelações sobre a vida íntima de políticos, muitas das quais atribuídas a personalidades que já morreram, e baseadas em conversas privadas. Querem uma alcoviteira melhor?”.