As rajadas que metralharam o Quartel do Carmo Os disparos partiram da coluna de Santarém

As rajadas que metralharam o Quartel do Carmo no dia 25 de Abril de 1974 contabilizaram o “tempo infinito” de dois minutos e 15 segundos de fogo.

Por Aliette Martins

Ninguém melhor do que Carlos Beato, para nos dizer o que se passou fora do Quartel do Carmo, designadamente no que se refere às rajadas que “metralharam aquelas instalações e que contabilizaram o “tempo infinito” de dois minutos e 15 segundos de fogo.

Respondendo a um apelo feito, neste ano para reeditar-se os esclarecimentos que anteriormente já me havia testemunhado, certifica-se o que nos afirmou Carlos Beato, recordando os factos relevantes por si vividos, que tiveram lugar frente ao Quartel da Guarda: “(…) o que vivi no largo do Carmo, naquela manhã, comando pelo saudoso capitão Salgueiro Maia, como todos os militares que integraram a coluna de Santarém na ‘Operação Fim do Regime’ –  tínhamos todos entre os 20 e os 30 anos e, a maioria dos militares que integraram a ‘Coluna de Santarém’, tinham menos de 25 anos – pergunta-me o que posso dizer da Guarda Nacional Republicana  naquele dia que eu vivi, naquela manhã daquele dia? – Vi uma posição que eu considero muito importante de não acção. Talvez melhor dito, de não intervenção, num cenário que era complicado. Muito complicado, inclusive para as próprias tropas do Movimento das Forças Armadas (MFA).

Houve uma altura em que nós chegámos, em termos estratégicos, a estar cercado no Carmo. Em termos de estratégia militar, não era uma situação confortável para os militares que ali estavam a cercar o Quartel do Carmo. O que me pareceu de facto, foi um cuidado, bom senso de não intervenção por parte da Guarda Nacional Republicana.

Foi o que me pareceu naquele dia em que eu tive o privilégio (acho que é um privilégio), de ter podido estar e ter vivido aqueles momentos, naquela madrugada e naquele dia.

Depois, dizer-lhe que os militares da guarda que estavam no Quartel do Carmo onde estava o presidente do Conselho de Ministros e mais membros do governo português, demoraram horas, do nosso ponto de vista, demasiadas horas, para se render, porque nós estávamos ali, sob o comando do capitão Salgueiro Maia, para obter a rendição do Quartel do Carmo, onde estava o poder, onde estava a mais alta figura do conselho de ministros, que era o professor Marcelo Caetano. Portanto, nós chegámos ao Carmo por volta das 11:00, 11:30 horas da manhã e, se a minha memória não me falha, o primeiro contacto que houve entre as tropas do MFA e o Quartel do Carmo foi por volta das 18:00 horas. Estamos a falar de cerca de 5 horas. Cerca de 5 horas num cenário daqueles é como se fossem 5 dias. Só quem o viveu.

Depois desse primeiro contacto, com a abertura da porta do Quartel do Carmo e a vinda – cá fora – de um Oficial Superior da Guarda, Nacional Republicana, para dialogar, correspondendo aos apelos de Salgueiro Maia feitos através de um megafone, só ocorreu depois de nós termos feito fogo sobre a fachada do Quartel do Carmo que, por acaso, foi feita pelo meu grupo de combate – o 6.º Pelotão da Coluna da Escola Prática de Cavalaria de Santarém que, pelas ordens do nosso comandante Salgueiro Maia, estava instalado no prédio fronteiriço, no telhado em que funcionava, ao tempo, a companhia de Seguros Império. Foi daí que o comandante Salgueiro Maia deu ordens para que nós, com o meu grupo de combate, com o meu pelotão, déssemos tiros, os chamados tiros de aviso, no sentido de forçar a rendição.

As rajadas eram para ser menos do que aquelas que foram. Depois, foi difícil dar ordem de paragem de fogo. Foi muito difícil. Era uma rajada e acabou. Foi difícil parar o fogo mas, parou e, foi a partir desse momento e após o apelo do capitão Salgueiro Maia, que as portas do Carmo se abriram para nossa grande satisfação e nosso grande alívio. Portanto, quando o Oficial Superior da Guarda, o major Velasco (hoje, tanto quanto sei é, Coronel) que depois tive a ocasião de conhecer pessoalmente, devo dizer, é uma pessoa que tive muito prazer em conhecer porque, de facto, percebi também deve ter tido um papel importante dentro do Quartel, para se chegar ao diálogo que se chegou.

Esta é, portanto, a conclusão de um modesto actor como eu, naquele teatro de operações”.