Escavações em Tróia revelaram três grandes tanques que lançam novas pistas sobre a civilização romana

As escavações no complexo arqueológico de Troia, realizadas em junho, permitiram a descoberta de três grandes tanques que “ainda conservavam no seu interior vestígios das atividades dos últimos romanos que habitaram a zona”, disse uma arqueóloga envolvida na pesquisa.

“Com estes novos dados a equipa está mais próxima de perceber o que se passou no último período em que os romanos ocuparam Ácala”, nome pelo qual seria conhecida Troia, “e, eventualmente, as razões que levaram ao seu abandono”, disse à agência Lusa a arqueóloga Filipa Araújo Santos.

As escavações anteriores tinham dado já a conhecer a existência de uma oficina, nomeadamente, o seu pátio, dois tanques intactos e dois tanques que haviam sido reutilizados para construção de fornos, “talvez de pão, num momento que ainda não se consegue datar”, acrescentou a arqueóloga.

Os três tanques encontrados não estavam intactos como a equipa supunha, mas com as paredes sudoeste quase completamente desaparecidas, facto para o qual a equipa aventa uma hipótese, que começou como uma brincadeira.

“A primeira vez que a minha colega Patrícia Brum sugeriu que pudéssemos ter acabado de identificar a ação de destruição pelas ondas do mar de há 1.500 anos, rimos em conjunto, com o avançar da escavação a brincadeira mostrou ser uma hipótese muito provável. Atualmente esses muros estão a mais de um quilómetro e meio, em linha reta, das ondas do mar”, contou.

“Os tanques estavam cheios de depósitos de lixo romano, de barro, de entulho, dando a ideia de que os romanos da época estariam a destruir ou a construir qualquer coisa, talvez a remodelar a oficina para outra função”, acrescentou.

Entre os achados a arqueóloga realçou três ânforas, “com a parte superior praticamente intacta”, que têm a designação de “Sado 1”, “exatamente porque são ânforas que, aparentemente, eram produzidas nas margens do rio Sado e em mais lado nenhum, sendo provavelmente ‘patente’ daqui”.

As escavações de junho “deram mais pistas para datar o fim da produção de garum [pasta de peixe feita das vísceras de atum ou cavala, misturadas com outros peixes] neste complexo”, da qual Troia se tornou imagem de marca no Império Romano.

As escavações regressam em setembro próximo, numa área a cerca de 1,5 quilómetros desta, numa “zona de ruínas que se encontram escondidas pelas areias”, na orla do estuário, estando previsto, no dia 23 desse mês, no âmbito das Jornadas Europeias do Património, realizar-se uma visita pública a estas escavações”.

O complexo arqueológico dedica o mês de agosto ao deus romano Júpiter, que, segundo a mitologia latina, é o pai do deus Marte e, consequentemente, avô de Rómulo e Remo, os míticos fundadores de Roma.

Rei dos trovões, “Júpiter eternizou heróis e rainhas nas constelações de estrelas que ainda hoje têm o seu nome”, o que dá o mote a uma das iniciativas do mês, as sessões de astronomia. “Através da observação das estrelas daremos a conhecer a suas histórias mitológicas”, referiu a investigadora.

Na sexta-feira e no sábado próximos, assim como nas noites de 18 e 19, próximos, a partir das 21:15, realizam-se sessões de astronomia nas ruínas romanas de Troia, com o acompanhamento de um astrónomo e de uma arqueóloga, que vão contar os mitos associados a cada constelação.

O complexo arqueológico de Troia tem identificadas 27 unidades de produção, designadas por oficinas de salga, sendo “o maior complexo industrial de salga de peixe do Império Romano que atualmente se conhece”.

Atualmente, no complexo de Troia, que floresceu entre os séculos I e VI, são visitáveis duas oficinas de salga de peixe, um mausoléu, uma necrópole, uma zona residencial e um complexo termal.

O complexo, cuja arqueóloga responsável é Inês Vaz Pinto, recebeu no ano passado 9.364 visitantes, “um número elevado”, tendo em conta os horários de abertura do sítio.

As mais antigas referências às ruínas datam do século XVI, pelos humanistas Gaspar Barreiros e André de Resende.

Em 1850 realizou-se uma campanha de escavações com a criação da Sociedade Arqueológica Lusitana, que realizou trabalhos nas denominadas “Casas da Rua da Princesa”, que constituem a atual área residencial, visitável.

Entre 1948 e 1969 realizaram-se várias campanhas que levaram à descoberta, entre outros equipamentos, de duas grandes oficinas de salga, de umas termas, de necrópoles e de uma basílica paleocristã.