O polémico discurso

O Presidente da República, Cavaco Silva, conseguiu através do seu discurso dirigido ao país na passada semana, onde anunciou a indigitação do líder do Partido Social Democrata (PSD) Pedro Passos Coelho, como primeiro-ministro, uma reacção extremamente negativa por parte dos partidos políticos da esquerda e da esmagadora maioria dos comentadores políticos, mesmo os ligados à ala direita.

Ao afirmar que, apesar de um executivo PSD/ Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) puder não assegurar inteiramente a estabilidade política necessária, um governo apoiado pelo Partido Socialista (PS), Partido Comunista Português (PCP) e Bloco de Esquerda (BE) seria “claramente inconsistente” e teria consequências financeiras, económicas e sociais “muito mais graves”, gerou uma onda de contestação que já há muito tempo não se assistia na cena política portuguesa sobre um Presidente da República. Aliás, todos são unânimes no tom crispado utilizado por Cavaco Silva, algo nunca visto da sua parte nas inúmeras comunicações ao país.

O chefe de Estado ao lembrar que “a última palavra” na formação do governo cabe aos deputados, a quem compete decidir “em consciência tendo em conta superiores interesses da nação” se o governo deve assumir as suas funções, praticamente apelou a uma rebelião na nova bancada parlamentar do PS.

Cavaco conseguiu unir ainda mais a esquerda que já deu sinais do que vai acontecer nos próximos dias. A eleição de Ferro Rodrigues para Presidente da Assembleia da República com o apoio do PS, BE e do PCP, anunciou o que está para vir nas próximas semanas por parte da ala esquerda, quebrando uma tradição de quarenta anos, segundo a qual o presidente da Assembleia da República eleito vem sempre do partido mais votado nas eleições legislativas. Neste caso, seria Fernando Negrão, candidato apresentado pelo PSD e CDS-PP, cujos votos não chegaram para derrotar o nome apresentado pelo PS e apoiado pela restante esquerda do parlamento.

Vivemos tempos novos, uma experiência política que nunca aconteceu desde as primeiras eleições democráticas de 1976, uma vez que os governos sempre foram escolhidos entre o PS, PSD e CDS-PP. Nunca o PCP e o BE, partidos considerados de anti-regime devido às suas posições sobre a continuação de Portugal no euro e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Nato) e de contestação permanente, fizeram parte de um executivo. Também pela primeira vez, estes deixaram a sua zona de conforto e decidiram avançar para negociação com o PS que permitirá a António Costa apresentar uma solução alternativa de governo ao Presidente da República. É que com a moção de rejeição ao governo de Passos Coelho, a apresentar pela esquerda, este cairá e levará, ao que tudo indica, o líder do PS a ser convidado por Cavaco Silva para formar governo.

De derrotado na noite das eleições de 4 de Outubro, António Costa, num jogo político inédito sairá vencedor e tudo indica será o primeiro ministro de Portugal, num governo minoritário mas com o apoio parlamentar dos bloquistas e comunistas.

Aconteça o que acontecer, vivemos tempos de pura política com negociações intensas. Uma novidade neste país habituado ao “centrão”, com sucessivos governos quer do PS quer do PSD, com o apoio do CDS-PP.

Os portugueses desejarão sobretudo, independentemente da decisão de Cavaco Silva, dias melhores, após quatro anos de duros sacrifícios e perda de rendimentos do trabalho.